A Invenção do Horário Político: Como a Televisão Moldou a Democracia Brasileira

O "horário eleitoral gratuito" é uma das instituições mais conhecidas do sistema político brasileiro. Todo ano de eleição, ele toma conta das televisões e rádios do país, ocupando horários nobres com propagandas de candidatos a cargos públicos. Mas como surgiu essa ideia? Por que o Estado oferece tempo de TV gratuito para políticos? E qual é o impacto real desse recurso na democracia? Neste artigo, exploramos a origem, evolução e controvérsias do horário político brasileiro.

5/13/20253 min read

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A gênese: os anos 1950 e 60

O rádio e, posteriormente, a televisão passaram a ser vistos como veículos poderosos de comunicação política no Brasil a partir da década de 1950. Com o crescimento da audiência televisiva, os partidos começaram a pressionar por espaço nos meios de comunicação.

A primeira regulamentação veio com o Código Eleitoral de 1950, mas foi só em 1965 — durante o regime militar — que surgiu o horário eleitoral gratuito obrigatório, através da Lei nº 4.737. A proposta visava organizar a propaganda e evitar abusos econômicos na campanha.

Curiosamente, o regime militar, que cerceava direitos políticos, criou um mecanismo que daria espaço para a pluralidade de vozes no período pós-ditadura.

Como funciona o horário político

O horário eleitoral gratuito é concedido a partidos e coligações durante os períodos oficiais de campanha. Seu funcionamento é regido por regras específicas:

  • Distribuição do tempo: é proporcional ao número de deputados federais eleitos pelo partido, garantindo maior tempo a partidos com maior representatividade;

  • Divisão entre majoritários e proporcionais: cargos como presidente, governador e prefeito têm tempo separado dos cargos legislativos;

  • Exibição obrigatória: todas as emissoras abertas são obrigadas a transmitir os programas nos horários determinados por lei.

O impacto nas campanhas

Com o passar dos anos, o horário eleitoral se tornou um dos principais meios de comunicação entre candidatos e eleitores. Campanhas com pouco tempo enfrentam grande dificuldade para ganhar visibilidade nacional. A exibição em rede nacional garante acesso a milhões de eleitores — especialmente os que não acompanham redes sociais ou meios digitais.

Além disso, o tempo de TV passou a ter peso decisivo na formação de alianças partidárias, já que coligações garantem mais tempo de tela. Isso tornou o horário político uma "moeda de troca" importante nos bastidores.

Os anos de ouro da propaganda política na TV

A década de 1990 e o início dos anos 2000 marcaram a profissionalização da propaganda eleitoral na TV. Equipes de marketing passaram a produzir programas sofisticados, com jingles, testemunhos, dramatizações e edição cinematográfica.

Candidatos como Fernando Collor, Lula e Dilma Rousseff souberam usar o recurso para construir imagens fortes, moldar narrativas e reagir a crises. A propaganda política deixou de ser apenas informativa e passou a ser emocional, teatral e persuasiva.

Críticas e controvérsias

Apesar da intenção democrática, o horário eleitoral enfrenta críticas recorrentes:

  • Desigualdade de exposição: partidos pequenos têm pouco tempo e pouca chance de competir com grandes legendas;

  • Manipulação da informação: uso de fake news, dados distorcidos e promessas vazias;

  • Alianças artificiais: coligações são feitas apenas para aumentar tempo de TV, sem identidade ideológica;

  • Custo indireto alto: apesar de ser "gratuito", as emissoras recebem compensações fiscais do governo, o que impacta os cofres públicos.

A ascensão das redes sociais

Com o crescimento da internet e das redes sociais, especialmente a partir de 2014, o papel do horário político passou a ser contestado. Muitos candidatos passaram a investir pesado em marketing digital, com mais liberdade e segmentação do público.

Em 2018, a vitória de Jair Bolsonaro, com pouquíssimo tempo de TV, mostrou que o modelo tradicional estava em transformação. Ainda assim, o horário eleitoral continua sendo importante, especialmente para candidaturas majoritárias e de eleitores com menor acesso digital.

Mudanças recentes na legislação

As reformas eleitorais de 2015 e 2017 reduziram a duração do horário político e impuseram novas regras:

  • Diminuição do tempo total de exibição;

  • Redução do período de campanha;

  • Maior rigidez na propaganda paga na internet.

O objetivo foi baratear as campanhas e equilibrar o jogo político. No entanto, a eficácia dessas medidas ainda é debatida por especialistas.

Curiosidades

  • Em 1989, o horário político marcou a primeira grande eleição presidencial pós-ditadura, com programas históricos e emocionantes;

  • O programa de Enéas Carneiro (“Meu nome é Enéas”) ficou famoso por condensar sua mensagem em poucos segundos;

  • Em 2014, as campanhas gastaram mais em produção de vídeo do que em comícios.

Conclusão

O horário político gratuito foi criado com o objetivo de democratizar o acesso dos candidatos aos eleitores e reduzir a influência do poder econômico nas campanhas. Apesar das críticas, ele ainda cumpre um papel relevante no processo eleitoral brasileiro, especialmente nas regiões onde a TV aberta continua sendo o principal meio de informação. Ao lado das redes sociais, ele representa uma das faces da disputa pela narrativa política no século XXI.